No jogo de tabuleiro Banco Imobiliário os jogadores devem ir rolando os dados e caminhando pelas casinhas para adquirir imóveis, como uma forma de aumentar o patrimônio e enriquecer, e depois cobrar aluguel dos outros jogadores. O objetivo do jogo é acumular riquezas imobiliárias. Esse tipo de negócio especulativo é comum no mercado imobiliário, adquirir um lote, apartamento, casa, sala comercial, esperando a valorização ou para rentabilizar no aluguel, é considerado um investimento conservador. Como diz o ditado, “quem compra terra não erra”.
O brasileiro, geralmente, sempre está buscando investimentos, e o mercado financeiro para investidores está em expansão e oferecendo várias oportunidades, seja com fundos imobiliários, criptomoedas, bolsa de valores, mais recentemente, NFT’s e até imóveis, entre outros. Ao mesmo tempo, acabam surgindo muitos “aventureiros” surfando nessa onda da busca do investimento, prometendo enriquecimento rápido através de investimentos suspeitos, ferramentas de tecnologia ou pirâmides financeiras.
A multipropriedade, apesar de ser um bem imóvel, não poderia fazer parte do Banco Imobiliário nem estar em uma lista de investimentos possíveis para os brasileiros. A multipropriedade não irá trazer rendimentos no curto, médio ou longo prazo. Não há como afirmar que terá valorização nem que o proprietário irá conseguir vender facilmente sua cota.
Imóveis são utilizados como investimentos, sejam residenciais, loteamentos, salas comerciais. Já imóveis de férias ou de segunda residência, normalmente, não são considerados bons investimentos. Há o ditado que diz que a casa de férias dá duas alegrias – comprar e vender – pois os custos de manutenção são altos e o proprietário possui um imóvel utilizado poucas vezes no ano. Para não dizer que não existe uma incorporação imobiliária destinada para férias que também é um investimento, há o condo-hotel, que é devidamente regulamentado pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários), em que o proprietário é obrigado a colocar seu apartamento no pool de locação e, na maioria das vezes, não pode usufruir de seu bem. Mas, ainda assim, não há como garantir rentabilidade e valorização para a multipropriedade. São modelos imobiliários diferentes. A multipropriedade é um misto de hotel e condomínio, podendo ser inserida no conceito de economia compartilhada.
Se perguntar para gerentes, diretores ou CEO’s das principias empresas atuantes na multipropriedade se vendem rentabilidade, a resposta será não! E de fato, é verdade que a regra das operações deva ser essa. Porém, esse hábito de vender investimento e valorização foi praticado por alguns anos e está enraizado entre os profissionais das salas de vendas. Na hora da apresentação, quando é somente o vendedor e o cliente, pode surgir aquela “tentação” de retirar a carta da rentabilidade da manga, como mais uma vantagem da multipropriedade.
Certamente, durante a apresentação de venda irá chegar o momento de falar sobre a Lei 13.777, em que regulamenta o modelo de multipropriedade, chancelando-o como um imóvel, registrado e escriturado, herdável, podendo utilizar, ceder ou alugar. De fato, se o proprietário pode alugar, ele pode rentabilizar. Porém, nessa hora, o consultor deve ser muito verdadeiro e esclarecer que não é garantido que ele irá locar ou vender a cota com facilidade nem que terá valorização. A meta é que o cliente saia da sala de vendas, comprando ou não, entendendo que o objetivo desse imóvel é para férias.
Fazendo contas de padeiro, a multipropriedade poderia ter um retorno financeiro: se alugar meus 14 dias por um bom valor de diária hoteleira vou ter um faturamento. Infelizmente, não é tão simples. A hotelaria e destinos turísticos não funcionam dessa forma. Os preços flutuam e a ocupação pode variar entre baixa temporada, alta temporada, dias de semana e fins de semana. Não tem destino turístico do Brasil em que há um hotel operando com 100% de ocupação. Ao contrário, na maioria dos destinos, uma ocupação de 60% média anual é considerada excelente. Mesmo para altas temporadas, há variações entre dias de semana e fins de semana, e os feriados não são semanas inteiras, geralmente dois ou no máximo três dias. E ainda deve-se utilizar essas variáveis com o preço pago pela fração imobiliária, para se chegar no quanto será a rentabilidade mensal e anual. Não adianta, não vai fechar a conta do que foi prometido na sala de vendas.
Consequências
Quando os clientes adquirem suas multipropriedades esperando rentabilidade ou certo que irão vendê-las quando quiserem, e depois percebem que o que foi prometido não irá acontecer, além do desgaste da imagem do empreendimento nas redes sociais, ainda pode-se aumentar os pedidos de distratos. Um cliente que comprou a multipropriedade por investimento tende a desistir muito mais facilmente de seu imóvel de férias. É muito difícil para o pós-vendas dissuadir um cliente que sente enganado.
Hoje em dia, com o excesso de informação e conhecimento sobre esse modelo de negócio, vender a multipropriedade garantindo que o cliente poderá ganhar algum rendimento se assemelha a um ”aventureiro” do mercado de investimentos que vende enriquecimento rápido.
Multipropriedade não é sobre quanto ganhará, mas quanto economizará
Não poder falar de rentabilidade e valorização da multipropriedade não quer dizer que o modelo perdeu seus atrativos. Pelo contrário, a multipropriedade ainda tem muitas vantagens e é muito aspiracional para os brasileiros. Não podemos nos esquecer que a maioria dos brasileiros não tem o hábito de viajar com frequência e se hospedarem em resorts de alto padrão.
Além de emocionar com as possibilidades de viagens, a sala de vendas não deixará de falar de dinheiro. Porém, a questão não será quanto que a multipropriedade pode trazer de retorno, mas quanto o cliente economizará em suas férias. A lógica financeira da multipropriedade mostra que o modelo oferece muitas vantagens econômicas em relação à quem quer ter uma segunda residência ou casa de férias, ou se hospedar em um resort de alto padrão.
Ou seja, o consumidor poderá analisar o que é mais vantajoso financeiramente para ele, em se tratando de suas férias. Se comprar um imóvel integral e arcar com todas as taxas sozinho, ou pagar apenas pela sua fração, o tempo que realmente viaja no ano e dividir a taxas do imóvel; se, ao finalizar o pagamento da multipropriedade, poder se hospedar no seu resort pagando somente uma pequena taxa mensal; e viajar utilizando o intercâmbio de férias com valores bem mais baixos que diárias hoteleiras ou pacotes das OTA’s.
Também não pode deixar de mencionar a lógica financeira da taxa de condomínio, que é rateada por todos os proprietários do apartamento. Se a taxa de condomínio girar em torno de R$ 250,00 por duas semanas, por exemplo, e a família tiver quatro membros, pagará R$ 3.000,00 anuais. Dividindo esse valor pelos membros da família e pelo número de dias que eles têm direito a usufruírem, o resultado será R$ 53, 571. Esse é a diária hoteleira que cada membro da família irá pagar para se hospedarem na multipropriedade, quando todas as parcelas das frações estiverem quitadas.
Quando que um viajante se hospeda em um resort de alto padrão em um destino atraente pagando apenas R$ 53, 571? Aliás, não existe diária hoteleira com esse valor, isso é algo inviável. Nem motel, nem AirBnb, até hostel com quarto e banheiro compartilhados tem diárias mais altas!
Assim, não é necessário analisar qual será o retorno financeiro do cliente ao adquirir a multipropriedade, pois focando no investimento em férias, os olhos das famílias irão brilhar com a possibilidade poderem viajar todos os anos, algo que para muitos era algo distante ou quase impossível de realizar.
De uma forma geral, a multipropriedade não deixará de ser um investimento, mas um investimento em férias e qualidade de vida. Na apresentação de venda há a parte da emoção, falando de viagens e férias, mas também há o racional, em que o cliente deve pensar e analisar. Com tantos argumentos, vantagens financeiras/econômicas e de qualidade de vida, ainda é necessário utilizar rentabilidade, investimento e valorização patrimonial para vender multipropriedade?