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Entrevista com advogada Márcia Rezeke – Projeto de Lei da Multipropriedade – ‘‘O risco não está na falta de lei específica; o risco está no uso inadequado da estrutura escolhida e utilizada’’

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Estruturação jurídica é fundamental para qualquer tipo de negócio, para que o empresário e o consumidor tenham segurança e seus direitos atendidos. No caso da multipropriedade imobiliária, por ter sido alvo de muitas polêmicas e críticas desde a explosão desse modelo de negócio no país, mesmo com formatações jurídicas bem realizadas, ter uma lei específica se tornou o objetivo de executivos do setor, o que já está bem encaminhado com o Projeto de Lei da Multipropriedade PL 54/2017, já aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, devendo ser enviado para a Câmara Federal em breve.
Mas apenas isso não é suficiente. A advogada especialista em direito imobiliário Márcia Rezeke, do escritório Rezeke & Azzi Advogados, esclarece que muito mais importante do que ter uma lei específica para multipropriedade, ou continuar utilizando os instrumentos jurídicos que são usados pelos empreendedores atualmente, é o modo que as leis serão utilizadas pelas empresas, como será a relação com os consumidores, se irão entregar o que prometem.
Nessa entrevista para a Revista Turismo Compartilhado, Márcia Rezeke explica o que muda se o Projeto de Lei de Multipropriedade for aprovado, a relação entre empresários e consumidor e a visão do Judiciário sobre o modelo de propriedade compartilhada.


Desde que surgiram vários empreendimentos de multipropriedade imobiliária muito se comentou sobre os aspectos jurídicos do negócio, sendo que os empreendedores sempre sinalizaram que, apesar de não haver uma regulamentação, a formatação jurídica estava correta. O que muda com a aprovação do Projeto de Lei de Multipropriedade?
Márcia Rezeke – De fato a estruturação jurídica utilizada até o momento está correta, seja pela utilização do instituto do condomínio voluntário ou da concessão real de direito de uso. Quanto à multipropriedade propriamente dita, muito se discute se ela é um gênero novo ou o desdobramento de um gênero existente (o direito de propriedade). Por qualquer lado que se olhe, me parece que a multipropriedade é uma construção jurídica que merece ser regulamentada pelo sistema jurídico brasileiro. A principal mudança que advirá com a regulamentação é que haverá uma lei específica para a multipropriedade, o que não significa dizer que as estruturas jurídicas até então utilizadas estivessem erradas.
Quais os riscos para empreendedores investirem em um negócio sem uma lei específica, como o caso da multipropriedade?
Márcia Rezeke – Me parece que o risco não está na falta de lei específica; o risco está no uso inadequado da estrutura escolhida e utilizada. Em outras palavras, ainda que exista uma lei específica, se não houver um cuidado do empreendedor na estruturação jurídica do negócio e em sua implantação, certamente o empreendimento terá problemas. O fundamental é a forma como os institutos jurídicos serão manejados pelos empreendedores.
Quais os riscos para consumidores adquirem produtos de multipropriedade sem uma regulamentação específica?
Márcia Rezeke – Se está dando uma importância exacerbada à regulamentação específica. Que ela é bem-vinda, isso não tenho a menor dúvida. Sou e sempre fui favorável a ela, mas a forma como muitos estão tratando essa questão me parece equivocada. Os primeiros empreendimentos de multipropriedade no Brasil datam do início dos anos 1980 e já se vão quase 40 anos sem legislação específica e estamos vivendo bem ou razoavelmente bem sem ela. É certo que a lei específica vestirá melhor o produto, porque será desenhado e feito de acordo com as necessidades atuais. O risco do consumidor não está na existência ou inexistência da lei, está no eventual descumprimento do contrato pelo empreendedor, como fornecedor. Usando a incorporação imobiliária como exemplo, desde 1964 há lei específica sobre o assunto e até hoje, passados mais de 50 anos, vemos consumidores com problemas decorrentes da falta de atendimento da lei ou de seu manejo de forma equivocada na estruturação de empreendimentos imobiliários. Portanto, o risco do consumidor não está na falta de lei específica, mas na eventual falta de cumprimento do contrato pelo empreendedor.
Qual a maior preocupação do judiciário sobre multipropriedade?
Márcia Rezeke – É a possibilidade de o consumidor ser lesado. Ocorre que o Poder Judiciário, infelizmente, ainda conhece pouco o produto e o funcionamento do sistema, muitas vezes o confundindo com o time sharing com perfil de vacation club. Isso não é bom, porque decisões equivocadas em vários sentidos são exaradas, especialmente no que toca à condenação por dano moral, o que traz prejuízo à indústria como um todo. E quando falo de prejuízo para a indústria não estou pensando somente no empreendedor, no comercializador, na administradora ou na intercambiadora, mas também no consumidor, porque à medida que nos deparamos com esse tipo de decisão acabamos tendo um aumento do custo final do produto. Na análise econômica do produto os empreendedores, administradores e a intercambiadora têm que considerar os gastos com a judicialização das excessivas reclamações dos consumidores. Além disso, se o Poder Judiciário conhecer melhor a indústria certamente verificará que se trata de um mercado cujo foco não é enganar o consumidor (como muitos juízes acreditam ser), mas promover formas de lazer por meio da comercialização de imóveis integrados ao um sistema de utilização de forma compartilhada, o que proporciona a movimentação da roda da economia e do desenvolvimento econômico e social. Apesar disso tudo, mas a duras penas, aqui em nosso escritório temos conseguido demonstrar a seriedade da indústria e, por óbvio, de nosso cliente envolvido na demanda e, por decorrência, temos conseguido diversas decisões favoráveis aos nossos clientes.
Outro ponto polêmico de propriedade compartilhada é o sistema de venda de impacto, que é emocionar o cliente e criar meios de concretizar o negócio naquele momento. O judiciário não enxerga com bons olhos esse sistema de vendas. Não é hora do judiciário conhecer mais sobre as vendas de impacto (como funciona e sem ter preconceitos) para ter julgamentos mais isentos?
Márcia Rezeke – Não há dúvidas de que o Poder Judiciário precisa conhecer melhor o produto e o sistema, com a finalidade de se desvencilhar desse estigma de que se trata de algo feito com a finalidade de enganar o consumidor. A venda de impacto não ocorre somente nesse mercado, sendo prática comum de outros nichos, como, por exemplo, o mercado de automóveis e de imóveis por inteiro. Os estudos mostram que quando se vende dentro do conceito leve 3 pague 2 a venda é mais eficaz que aquela onde se oferece um desconto de 50%. Para os estudiosos, esse comportamento do consumidor demonstra que toda aquisição tem muito mais um conteúdo emocional do que racional. Jürgen Klaric, especialista em neuromarketing, diz que as pessoas compram baseadas em três coisas: para reduzir o medo, para economizar energia e para sentir mais prazer e conforto. O que se depreende disso é que toda compra carrega um forte viés emocional. A venda de qualquer produto passa por um processo onde o cliente precisa se emocionar. Isso não é diferente na venda de uma multipropriedade ou de um produto de time sharing, porque o processo de venda é estruturado para aguçar no consumidor um sentimento de que seus sonhos de férias poderão se realizar e ele está próximo de poder desfrutar de momentos de lazer com a família e amigos, em lugares aprazíveis. Nesse sentido, Seth Godin, autor de vários livros sobre negócios e marketing, é assertivo ao dizer que “as pessoas não compram bens e serviços. Elas compram relações, histórias e magia”. Na grande maioria das vezes as pessoas compram o que suas emoções querem, não o que elas efetivamente necessitam e vem daí o direito de arrependimento, um mecanismo legal de proteção que autoriza o consumidor desistir da compra, sem penalidades ou prejuízos. O prazo de sete dias foi entendido pelo legislador como o suficiente para o consumidor acalmar suas emoções e refletir sobre a compra realizada.
Vários empreendimentos de multipropriedade já foram entregues e outros o serão nos próximos anos. Muito foi prometido em relação ao uso, benefícios e, em alguns casos, até certa rentabilidade. Existem riscos jurídicos de alguns clientes reclamarem na justiça se sentirem que foram enganados com o que foi entregue?
Márcia Rezeke – Certamente que há um risco latente se o que foi prometido não for honrado pelo empreendedor. Isso sem falar que a promessa de rentabilidade, dependendo da forma como é feita, poderá esbarrar e ofender as regras estipuladas pela CVM, relacionadas aos contratos de investimento coletivo. Um produto de multipropriedade necessita ser pensado, projetado e implantado não como uma venda imobiliária pura e simples, mas como um produto de férias com uma base imobiliária. A venda não se encerra na assinatura do contrato, a venda se estende até que o empreendimento seja entregue, o que foi prometido esteja implantado e em funcionamento. E esse é o cerne da questão, o entusiasmo de alguns empreendedores e suas equipes de vendas quando do lançamento e durante a comercialização, que acabam prometendo mais do que o empreendimento terá ou oferecerá. É fato que, se o cliente encontrar um bom departamento de pós-vendas, que o auxilie a entender o produto, sua forma de funcionamento e, ainda, ajudá-lo a resolver seus problemas, o empreendedor e demais envolvidos com o produto terão menos problemas com as insatisfações e angústias do consumidor que, se não acalmadas ou resolvidas, certamente desaguarão no Judiciário.

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