A advogada, empreendedora e consultora de negócios Maya Garcia Câmera conta como foi, e é atualmente, a estruturação e gestão do empreendimento pioneiro no mercado de propriedade compartilhada, o Paúba Canto-Sul, em São Sebastião/SP, sobre as suas conquistas jurídicas e também como se tornou uma referência no setor, tanto na parte jurídica quanto de desenvolvimento, gestão e relacionamento com clientes, com várias parcerias no Brasil e no exterior
Pioneiro – de acordo com a definição do dicionário da Língua Portuguesa, ”Aquele que primeiro abre ou descobre regiões desconhecidas, e nelas tenta estabelecer uma colonização; explorador, desbravador”. O pioneiro abre o caminho para os outros crescerem.
Foi assim, ainda em 1983, quando Rivaldo Câmera desenvolveu o que pode ser considerado o primeiro empreendimento de multipropriedade no Brasl, o Condominio Paúba-Canto Sul, em São Sebastião/SP. Se, atualmente, a propriedade compartilhada é um negócio complexo e ainda desconhecido por muitos adquirentes, na década de 1980, era como algo de outro planeta. Não havia consultorias, hoteleiros não conheciam e as intercambiadoras de férias ainda não operavam no país.
”Meu pai, idealizador e empreendedor do Canto-Sul, foi praticamente um visionário e um louco ao mesmo tempo porque vendeu uma ideia totalmente nova na época, sem precedentes nem qualquer referência nacional para se pautar”, conta a advogada Maya Garcia Câmera.
Ela explica que, na época de lançamento, em 1983 e inauguração em 1985, o conceito de timeshare e imóveis fracionados só existia no exterior e desenvolver um projeto desses no Brasil era revolucionário. Por conta disso, de acordo com Maya, a estratégia comercial focou nos médicos, como público target, pois constituíam uma classe profissional que tinha pouca disponibilidade de tempo para aproveitar um imóvel na praia em tempo integral. ”O uso inteligente e racionalizado na medida da necessidade já era uma demanda existente na época”, lembra.
Como ainda não havia especialistas em venda de impacto naquela época, a comercialização foi pela via tradicional de venda imobiliária, mas com uma estratégia diferente. ”Fizemos o caminho contrário da maioria, que utiliza o próprio empreendimento como melhor local de vendas: os corretores foram até os maiores polos do interior de São Paulo, tais como Ribeirão Preto, Campinas, Araçatuba, Limeira, Bauru, Araraquara, São Carlos, dentre outros, para apresentar o empreendimento”, diz Maya.
Mais de 90% da jurisprudência sobre fracionados veio do Paúba-Canto Sul
”Fomos o primeiro empreendimento de propriedade fracionada do país. Tudo podia ter dado errado. Mas a estruturação jurídica foi tão bem feita que, atualmente, somos também o mais longevo: são quase 33 anos em funcionamento pleno”, afirma a advogada.
Além da estruturação jurídica, fundamental para a operação do empreendimento, o relacionamento com o Judiciário foi um desafio. Maya, atuando como advogada pioneira no setor da multipropriedade, iniciou a abertura da jurisprudência há quase 20 anos sobre esse tema em condições adversas. ”Os juízes e desembargadores nunca tinham ouvido falar de fracionado ou de tempo compartilhado, e, quando tinham, vinham às suas cabeças os exemplos dos players ruins no exterior. Fui responsável por 95% da jurisprudência sobre fracionado no país. Isso se justificou porque tínhamos 10-15 anos a mais do que os demais empreendimentos e já enfrentávamos situações que os outros não estavam experimentando”, afirma a advogada.
Ela conta que levava até lousa para explicar o modelo em suas sustentações orais, chegando a representar as cotas com as pessoas presentes. ”Minhas sustentações ficaram até famosas no Tribunal de Justiça de São Paulo”, diz Maya. ”Exigiu um pouco de ousadia da minha parte, mas cada vitória era bastante celebrada e um passo importante para o desenvolvimento do business em todo o país”.
Relacionamento com clientes mais pessoal
Na época da entrega do Paúba Canto-Sul, como Maya explica, não havia internet e telefone era objeto de luxo. Em razão disso, foi necessário construir uma relação muito mais pessoal com os condôminos.
Atualmente, há relacionamento e convivência entre os clientes da primeira, segunda e até terceira geração, muitos até netos dos primeiros adquirentes. ”É uma alegria saber que fazemos parte da vida de tantas famílias, algumas durante três gerações”, afirma Maya.
Segundo ela, essas diferentes gerações levaram a uma adaptação da gestão de relacionamento com clientes. ”Tivemos que ampliar o universo de participação digital e outros mecanismos on-line, a que a geração abaixo dos 40 anos está mais habituada”, conta a advogada. ”A tendência é a internet tomar mais importância nos fracionados, em especial considerando que o público comprador pode estar longe fisicamente dos empreendimentos”.
Outro diferencial relatado por Maya que a gestão do Paúba teve que desenvolver é a realização de assembleias parciais nas cidades onde há maior número de condôminos. ”Praticamente é uma assembleia única itinerante, o que não se vê em condomínios residenciais padrões”.
Adaptação – segredo de uma boa gestão
O sucesso e tempo de funcionamento do Paúba também é fruto de uma boa operacionalização e uma administração bem feita. Maya explica que descobrir formas de diversificar o negócio e adaptá-lo a certas situações e outras formas de tempo compartilhado ajuda a passar por alguns tempos difíceis. ‘’Tais como, uma inadimplência maior em épocas de crise ou de maior incidência de óbito de condôminos, contingências a que todos os empreendimentos estão sujeitos”, exemplifica a advogada. ”Saber se adaptar foi e sempre será um dos pontos mais determinantes do nosso sucesso no Paúba-Canto Sul e em todos os nossos outros empreendimentos”.
Expertise reconhecida no exterior
A experiência no desenvolvimento, gestão e questões jurídicas levaram Maya a ser reconhecida por empreendedores no exterior, que passaram a contratá-la como consultora para desenvolver seus projetos. ”Meu expertise foi sendo procurado por vários escritórios e empresários para que eu pudesse contribuir com a experiência e o know-how em empreendimentos novos. Foi assim que, sem querer, passei de player à consultora”, conta.
Entre os projetos estruturados por Maya, há trabalhos de consultoria para importantes grupos imobiliários, hoteleiros e de entretenimento da Ásia, como os Grupos Sands, Galaxy Entertainment, SJM e Okada Manila. ”São projetos mais arrojados e focais, o nível de maturidade já permite que empreendimentos sejam pensados para públicos mais específicos e customizados”.
Para ela, o grande desafio de trabalhar nesses países foi se posicionar como uma brasileira em mercados mais amadurecidos, o que exige segurança e convicção. “A instabilidade jurídica sobre o tema no Brasil muito prejudicou o crescimento do business em nosso país, mas, por outro lado, deu maior abertura à criatividade para a solução de problemas do que mercados muito regulados, como o europeu e o americano”.
Ela explica que os projetos desenvolvidos são bastante diferenciados entre si. ”Desde hotéis até resorts, passando por helicópteros e ilhas semi-desertas no Sudeste Asiático. Hoje, lido com públicos de muitas nacionalidades, desde a classe C emergente até a AAA. Há também estrangeiros querendo investir no Brasil e eles preferem advogados que tenham mais visão empresarial do que meramente jurídica”, conta Maya.
Entrevista
”Gestão de fracionados nunca será 100% condominial nem 100% hoteleira”
Atualmente há uma preocupação sobre relacionamento com clientes e pós-vendas, para fidelizar clientes. Como é esse relacionamento hoje nos seus empreendimentos?
Quem trabalha com estruturação e gestão de empreendimentos fracionados ou em timeshare precisa entender que a administração nunca poderá ser 100% condominial nem 100% hoteleira. É uma relação que deve ser muito mais específica. Em nossos empreendimentos temos mais condôminos e clientes do que a população de muitas cidades pequenas no país. Atingimos, no mês passado, a marca de 1.000.000 de pernoites. Estamos em permanente mutação para atender a todos os públicos sempre. Nos nossos empreendimentos em regime de timeshare, essa diversidade de gostos, hábitos, características e interesses é ainda mais acentuada e, por isso, temos unidades que atendem a várias modalidades de uso compartilhado. Algumas com grande prazo de antecedência para reserva voltadas para perfis mais planejados, outras com menor prazo para os que só podem decidir em cima da hora. Algumas focadas em alta temporada, outras em baixa para os que fogem dos períodos de maior procura.
Na sua visão, atualmente os advogados conseguem fazer boas estruturações jurídicas para empreendimentos de multipropriedade?
Embora existam hoje mais profissionais que realizem a estruturação de empreendimentos fracionados e em tempo compartilhado, a experiência prática é um diferencial de extrema importância. Se o profissional não souber preparar o empreendimento, já no momento da estruturação, para diversas adaptações que inevitavelmente serão necessárias no futuro, as formatações acabarão por se mostrar engessadas e, invariavelmente, trarão problemas em médio-longo prazo. Por isso, é importante sempre procurar um profissional que não tenha apenas o conhecimento jurídico, mas também visão empresarial, expertise como player de mercado e experiência em estruturações customizadas para atender as necessidades de cada projeto.
É possível comercializar no sistema de multipropriedade produtos de luxo? Como você enxerga essa modalidade para consumidores brasileiros?
O fracionado não representa somente um acesso à propriedade por quem não teria condição de comprar o imóvel todo. Antes de mais nada, ela é uma proposta de uso racionalizado de qualquer bem compartilhado, na medida da real utilização e de forma a reduzir os custos de manutenção. Assim, não há nenhum impeditivo para que o mercado AAA possa aderir ao fracionado. Sou atuante no mercado de luxo nos EUA e nos EAU, em especial no segmento de iates, jatos e helicópteros. O mercado brasileiro é bastante promissor nesse quesito. Um país tão múltiplo quanto o Brasil permite qualquer segmentação.
Quais seus próximos planos?
Agora que está sendo aprovada a lei que regula a multipropriedade, cujo projeto participei intimamente da elaboração, gostaria de levar o assunto para os bancos acadêmicos, a fim de criar uma geração de advogados que esteja acostumada com o business desde o princípio da carreira. E também organizar encontros empresariais em outros recantos do Brasil fora do eixo SP-GO-RS para mostrar como o fracionado pode ser uma boa solução para hotéis, pousadas e condohotéis já em funcionamento. E, claro, sou muito cobrada de escrever um livro na área. Adoraria a ideia e ainda vou concretizá-la, só me falta tempo.