Poucos homens podem afirmar ter sido parte da arquitetura de um paraíso turístico, desde sua concepção até sua consolidação global. Kemil Rizk, empresário mexicano com mais de 50 anos de atuação na indústria de turismo e timeshare, é um deles. Cofundador do Grupo Royal Resorts, Rizk não apenas testemunhou, mas liderou transformações que moldaram Cancún, no México, e redefiniram o conceito de propriedade compartilhada.
A trajetória de Kemil Rizk é também a história da evolução do timeshare no México. Das semanas fixas às semanas flutuantes, dos sistemas de pontos aos clubes de viagem, o empresário mexicano viveu cada etapa de transformação do setor e construiu, junto aos seus sócios, uma das marcas mais reconhecidas do Caribe, a Royal Resorts, que foi vendida para a Holiday Inn Vacations.
Durante visita ao Rio Quente Resorts, para conhecer o novo projeto de propriedade compartilhada da Aviva, o InCasa Private Residence Club, Rizk conversou com o Turismo Compartilhado sobre sua trajetória, os novos modelos de multipropriedade, o comportamento das novas gerações e as lições que o Brasil pode aprender com a experiência mexicana,
A Arquitetura Governamental de Cancún
‘’Participei, de alguma forma, da construção do turismo do México de hoje”, afirma Rizk, que rememora o início de sua vida profissional, na década de 1970, mesmo período em que se iniciou o timeshare no México. Sua jornada se desdobra em duas fases cruciais: a de funcionário público e a de desenvolvedor privado.
Graduado em Engenharia Civil, com mestrado e doutorado em matemáticas aplicadas (“que nunca apliquei depois de escrever minha tese,” brinca), foi convocado para participar de uma tarefa monumental: erguer uma cidade turística do zero: Cancún.
A primeira fase, essencial para a fundação do turismo mexicano atual, foi impulsionada por uma decisão estratégica do Governo do México na época de diversificar e impulsionar sua economia, enxergando no turismo uma poderosa ferramenta de crescimento. Inspirado no sucesso turístico de Acapulco, no litoral do Oceano Pacífico, o governo iniciou um ambicioso projeto para transformar regiões inexploradas em polos turísticos de classe mundial.
Até o início da década de 1970, Cancún tratava-se de uma área praticamente desconhecida no mapa turístico. Com 114 habitantes, o destino era formado por uma pequena vila de pescadores, a paisagem era composta por dunas de areia intocadas, pântanos e uma vegetação selvagem exuberante.
O projeto não se limitava a zona hoteleira, mas uma cidade completa,“Para mim foi um desafio fascinante. Participei desde a definição do modelo de preços da terra até o planejamento urbano, que incluía densidades, alturas, ocupações de prédios, infraestrutura básica, hospitais, escolas e farmácias”, relembra.
Para viabilizar o nascimento de Cancún, o Governo do México adquiriu 10 mil hectares de terra e financiou boa parte das obras, através do FONATUR – Fundo Nacional de Fomento ao Turismo, agência governamental criada para captar recursos e executar as obras necessárias. “O fundo conseguia os recursos, contratava as agências governamentais, financiava aeroportos, estradas, eletricidade. Era um esforço gigantesco, mas que deu origem a um dos maiores polos turísticos do mundo”, afirma o empresário.
O primeiro hotel de Cancún foi inaugurado em 1974, inaugurando uma nova fase do turismo do México. O sucesso do projeto foi estrondoso. Não apenas pelo desenvolvimento de Cancún, mas por todo o litoral ao sul do destino, a chamada zona turística de Riviera Maya. Atualmente, Cancun e Riviera Maya recebem mais de 30 milhões de visitantes por ano, em que 75% das pessoas são dos Estados Unidos, contando com mais de 600 hotéis/resorts e quase 100 mil apartamentos hoteleiros.
A Fundação da Royal Resorts

A atuação na criação de Cancún levou Rizk ao empreendedorismo. Ele foi um dos pioneiros na introdução do modelo de timeshare no México, ao fundar com participação de sócios, o Royal Resorts, ainda na década de 1970. O Royal Resorts foi um dos principais grupos hoteleiros do México, com quatro empreendimentos em Cancún e Riviera Maya. Em 2023, o Royal Resorts foi adquirido pela Holiday Inn Club Vacations, uma das principais empresas hoteleiras e de timeshare dos EUA.
O empresário explicou que as primeiras propriedades compartilhadas mexicanas foram adaptadas do modelo de timeshare dos EUA, inicialmente no sistema de semanas fixas com direito de uso de 30 anos, que era o máximo que legislação no México permitia, para depois até 50 anos, acompanhando as mudanças de lei. Os produtos do timeshare mexicano também são formatados para o público dos EUA, já que 75% dos clientes vêm daquele país.
Metamorfose do Timeshare
A indústria de timeshare do México, segundo Rizk, passou por uma revolução ao longo desses 40 anos, acompanhando as demandas dos consumidores. O Royal Resorts foi um dos últimos a abandonar o modelo de semana fixa. Ele explicou que a busca por flexibilidade, a diversidade de destinos e a valorização de experiências sobre a mera posse de um imóvel impulsionaram a transição para outros modelos. “O mundo e os turistas começaram a mudar, depois entrou a tecnologia, criando inúmeros desafios para as empresas que iniciaram no modelo tradicional’’.
A transição foi em cascata: da semana fixa para a semana flutuante, depois rotativa, e então o modelo de pontos. “Quando chegaram os pontos, o problema se tornou ainda maior, pois exigiu a conversão de contratos antigos e a criação de clubes de pontos, como o Royal Resorts Signature Club’’, contou o empresário.
Porém, os desafios não terminaram. Acompanhando as mudanças dos consumidores, a indústria de timeshare mexicana substituiu o modelo de pontos por travel clubs nos últimos anos. Os travel clubs, ou clubes de descontos, são hoje o modelo predominante no México, com semanas fixas sendo “quase zero” e pontos representando cerca de 20% do mercado. O modelo de clubes de descontos oferecem descontos em tarifas dinâmicas e benefícios adicionais, atraindo o consumidor pela flexibilidade.
‘’Não há um modelo melhor. O tempo compartilhado tem que se adaptar às necessidades dos viajantes e as características de cada empresa,” frisa Rizk. ‘’O desafio é explicar essa complexidade ao cliente e garantir que entendam o produto’’.

Modelo de Negócio no Brasil
A análise dele sobre o modelo de propriedade compartilhada no Brasil, tanto o timeshare quanto a multipropriedade, é incisiva e revela profundas diferenças culturais.Ele elogiou o turismo brasileiro, que cresce principalmente com as viagens dos próprios brasileiros pelo país, e, consequentemente, aumenta o potencial de crescimento do timeshare. Mas, em um ponto ele é bastante crítico à propriedade compartilhada no Brasil: comparando com o México, onde a entrada efetiva para a aquisição de um timeshare é de 25% (focada em clientes americanos), o Brasil opera com entradas muito baixas.
O empresário conhece bem as operações e modelos de propriedade compartilhada no Brasil, já que fez inúmeras visitas técnicas nos projetos nos últimos cinco anos. “Não gosto de nenhum,” crava Rizk sobre os formatos brasileiros. “Porque tem um problema, uma entrada muito baixa’’, completa ele. Na visão do empresário, a entrada efetiva baixa resulta em altos índices de cancelamentos. ‘’Os clientes após três pagamentos, deixam de pagar”, comentou. A diferença nas taxas de distratos é enorme, enquanto o mercado brasileiro opera em média com 35%, o timeshare do México abaixo dos 10%.
Os cancelamentos trazem consequências financeiras severas. “É um modelo de cash flow negativo”, explica o executivo. ‘’O modelo cultural brasileiro de não querer saber quanto custa, mas quantas vezes faz o pagamento, sem uma entrada substancial, pode tornar a gestão insustentável’’, completa. Porém, ele reconhece os desafios de implementar no Brasil um modelo que possa segmentar mais os clientes e vender de forma mais sustentável. ‘’Isso afetaria o volume de vendas e, consequentemente, a rentabilidade’’.
Futuro da Propriedade Compartilhada

No que tange às estratégias de vendas, Rizk enfatiza que o timeshare é um “negócio de números”. Ele explicou que em Cancún, por conta da alta concorrência entre as empresas, formatar estratégias assertivas para a captação de clientes é fundamental para o sucesso do projeto, não apenas para ter volume nas salas de vendas, mas para os custos da comercialização. Enquanto algumas empresas se beneficiam de ter parques temáticos e hotéis próprios, outras contam com acordos com grandes operadores e até fazem captação no aeroporto. ‘’Algumas empresas em Cancún já atingiram 70% de custo com o marketing e vendas’’.
Visando equilibrar os custos, o Royal Resorts desenvolveu vários programas para captar clientes. ‘’Geramos muitos membros por recomendação de nossos sócios”, disse o empresário. A tecnologia também desempenhou um papel. O empresário menciona o uso de CRM para conhecer o perfil do cliente e capacitar os vendedores a personalizar a abordagem. “O vendedor recebia os dados básicos do cliente: quando nasceu, se gosta de jogar futebol, o que gosta de comer, quando é o aniversário’’.
Kemil Rizk encerra sua análise com um reconhecimento da complexidade atual do setor, que exige estratégias comerciais sofisticadas, controle rigoroso de custos de marketing e uma profunda compreensão das mudanças de comportamento do consumidor. ‘’Está ficando cada vez mais difícil vender para as novas gerações. O timeshare tem que ser resiliente, entender e se adaptar aos clientes, buscando outros formatos para atingir o equilíbrio no negócio’’, conclui.





