Artigo de Stefânia Figueredo – sócia da CRC Brasil, empresa especializada em pós-vendas pra multipropriedade e timeshare
mercado se acostumou, mal, eu diria, que projeto de multipropriedade tem elevados índices de cancelamento, e ponto. É como se isso fosse natural, mas não deve ser. O esforço financeiro, humano e até emocional em cima de uma operação de fracionado ou timeshare é muito grande. Não se trata apenas de fazer um estudo de viabilidade com muitos zeros à direita e de calcular os índices de cancelamento, às vezes otimista e irreal ou quando real, indicando a média de 30 ou 40%, aceitando como uma verdade e se acomodar com a situação, “porque assim é o mercado”.
Já ouvi de um comercializador que o cancelamento é positivo: “quero mais é que cancele, ficamos com a entrada ou cobramos multa e ainda tenho o inventário de volta”. Confesso que esse comentário me assusta, porque vem de um pensamento comodista, além de ser extremamente prejudicial para a imagem do empreendimento. É preciso analisar que retomar inventário de cancelamentos e reter valores pagos em discussão contratual desgastam as partes, especialmente o desenvolvedor do projeto. Algumas vezes tratar de retenção de valores pagos ou de cobrança de multa causam discussões que são levadas desde o Reclame Aqui, redes sociais, Procon e até mesmo à seara judicial. Ademais disso, havendo uma discussão jurídica, e se não houver um amparo contratual para desfazimento do negócio em função do inadimplemento, teremos inventário bloqueado.
Destarte, não há como tratar de cancelamento sem prejuízo para uma, ou até para ambas as partes, exatamente por isso, a ideia é tratar do tema, desde o nascedouro. É cuidar para que não aconteçam insatisfações que culminem em uma solicitação de cancelamento, e manter uma equipe treinada para trabalhar as retenções de forma que saiam todos satisfeitos.
Principais Motivos do Cancelamento
Na International Shared Ownership Investiment Conference, evento realizado pela Interval no ultimo 07 de Agosto em São Paulo, Lucas Tigre, Diretor de Operações do Grupo Hospedar e Márcia Petzold, Gerente de Relacionamento da Rede Plaza foram questionados em um painel, sobre os principais motivos do cancelamento. Márcia explicou sobre a motivação “financeira” e o “arrependimento”, e Lucas dissertou sobre a “venda mentirosa”. A explanação dos respeitáveis profissionais confirma meu pensamento de que a solicitação de cancelamento deriva de duas crises: financeira ou de confiança.
Crise Financeira
A crise financeira deriva de um fator externo e ela só pode ser bem trabalhada internamente se vem de uma “venda malfeita”, porque nesse caso, é um fator interno sim.
Vamos entender quando ela deriva de um fator externo: o adquirente da fração imobiliária passa por dificuldades financeira e não consegue manter o compromisso com sua propriedade de férias. E quando deriva de fator interno? Quando o casal não tinha perfil e todos que o atenderam já sabiam disso.
É natural que os profissionais sejam engajados para bater metas, atingir números, e todo o possível e impossível para encaixar essa venda no orçamento do cliente é feito. No entanto, se aquele casal não tem qualificação para a aquisição, tal qual uma bola de cristal, quase dá para calcular o mês em que irão solicitar o cancelamento.
Já vi uma fração imobiliária ser vendida para um chaveiro, casado com uma dona de casa que morava de aluguel, e outra para uma recreadora, mãe solteira e que também vivia de aluguel. Como sustentar uma venda dessas? E não se trata de preconceito: ou eles pagam a escola dos filhos, ou a multipropriedade. Ou pagam o aluguel de casa ou a multipropriedade.
Crise de Confiança
Já a crise de confiança é um fator 100% interno. Costumo dizer que a reclamação tem um custo: seja de imagem ou financeiro, e esse tipo de crise deriva de reclamações ou insatisfações. Informações dúbias, falta de resposta, notícias ruins e reclamações na internet, comentários negativos de amigos ou conhecidos, sentimento de que a obra não vai ser entregue e vários outros motivos podem levar o adquirente a uma incerteza se fez ou não um bom negócio.
Ainda devemos entender que muitas vezes a Crise de Confiança existe mas o cliente alega incapacidade de pagamento, porque é mais fácil explicar que não pode arcar com a parcela mensal e justifica uma doença na família ou desemprego, mas na verdade o que está acontecendo é somente insegurança por ter lido algo nas redes sociais, alguém comentou alguma coisa que o deixou desconfortável, ou até mesmo na hora do primeiro uso da propriedade as coisas não saíram conforme o consultor lhe explicou e é mais fácil alegar “não posso mais pagar” do que apresentar sua verdadeira insatisfação. Por essa razão, é fundamental entender bem o histórico do cliente, para identificar os reais motivos da solicitação do cancelamento e quebrar objeções assertivas, para o sucesso de uma retenção.
Gerindo Crises
Antes de tudo, a comercialização e o desenvolvedor do projeto precisam entender e aceitar que a crise existe. Muitas vezes, como dito a princípio, os elevados índices de cancelamento são tidos como naturais e por isso nada é feito no sentido de reduzir esses indicadores.
Uma vez assumida essa crise, é preciso fazer uma Auditoria Operacional, entender todos os setores do projeto. Essa auditoria vai enxergar a sistemática praticada, os procedimentos e atuais meios adotados na captação, sala de vendas, pós-venda, reservas, recepção, operação, tipo do projeto e tudo que envolva e possa indicar a insatisfação ou gerar a crise que provoca as solicitações de cancelamento. Ao mesmo tempo esses levantamentos indicarão as medidas que devem ser tomadas e a partir desse ponto, a comercializadora, o desenvolvedor do projeto e o gestor de crise devem sentar e analisar as propostas que a Auditoria Operacional deverá apresentar.
Esse Plano de Recuperação de Indicadores e de Confiança do Cliente não é um trabalho solitário. Exige a união de todos os setores envolvidos. Evidentemente mudanças deverão acontecer, afinal se assim não o fosse, não estaríamos falando de crise. E o pior dela, é não a identificar e não agir no momento certo.
Decisões
Identificados os gargalos do projeto, precisamos tratá-los ou eliminá-los. Não se gere uma crise sem perder penas, e é melhor perder algumas do que todas, por isso os pontos que são diagnosticados nessa Auditoria Operacional precisam ser aperfeiçoados no que for positivo e eliminados ou tratados o que for negativo. Provavelmente novas metodologias precisem ser adotadas e o pós-venda deve ser treinado reiteradamente para fazer retenções e quebrar objeções.
O cancelamento não começa no pós-venda como muitos acham, ele termina ali. Pode começar na abordagem, no tipo de projeto, na sala de vendas, no atendimento, no uso da propriedade e por melhor que seja o setor de retenções, não havendo uma atuação em vários quesitos, não há milagres.
Uma vez compreendido os motivos ensejadores dos cancelamentos, estabelecidas as novas metodologias é preciso criar manuais e procedimentos que possam orientar a todos, e estabelecer as novas regras e nova forma de atuação.
Evidentemente que o fator primordial para o sucesso na gestão de crise é a aceitação de que ela existe e que medidas devem ser tomadas.
- Com 12 anos de atuação no mercado imobiliário, Stefânia Figueredo é sócia da CRC Brasil e advogada por formação. Conta com passagens pela Valerobrasil, onde por sete anos foi sua Diretora e Administradora, implantou a operação do Dali NYC Berrini em São Paulo, e participou do processo inicial da Reserva do Abiaí, na Paraíba; depois teve sua própria empresa focada na intermediação entre o mercado imobiliário e fundos investimentos, a Fox Consultores. Também foi sócia do escritório de advocacia, em Natal/RN, André Elali Advogados, teve sua experiência com Central de Relacionamento na IMG Group, e implantou a Central de Relacionamento com Clientes do empreendimento de mutipropriedade Thermas Hot World, em Águas de Lindóia/SP.