‘’Os contratos devem ser os mais claros e objetivos possíveis”
A advogada Laís Tourinho, do escritório Camardelli e Da Costa Tourinho Advogados, conta nessa entrevista quais os principais problemas judiciais que podem ocorrer para empresas que atuam no mercado de tempo compartilhado quando os contratos jurídicos não são bem elaborados.
Fale um pouco de sua trajetória, principalmente no mercado de hotelaria, turismo e timeshare.
Comecei a trabalhar com o timeshare em 2008, quando ingressei no escritório então liderado por, hoje minha sócia, Tiana Camardelli, que, por sua vez, já advogava para uma empresa que administrava programa de timeshare desde 2005. Já em nosso escritório, começamos a trabalhar com a hotelaria propriamente dita, em 2010, ao assumirmos a consultoria e contencioso de um hotel de grande porte localizado na cidade de Natal/RN. Antes disso também já havíamos atuado em favor de um hotel boutique localizado no Centro Histórico de Salvador.
Quais são os principais motivos que os consumidores pedem cancelamento em contratos de timeshare ou fractional? Como que elaborar contratos para minimizar esses pedidos de distratos?
No que tange à área de vendas, em geral, as alegações são quanto à publicidade enganosa e marketing agressivo.
Para o pós-vendas, surgem muitas reclamações que, via de regra, podemos relacionar também a uma venda imperfeita, ou seja, aquela em que as informações não foram claras ou completamente passadas aos consumidores. Assim, se insurgem bastante contra negativas de reservas quando nos sites dos hotéis consta que há vagas disponíveis para o período desejado, contra a ausência de hotéis em determinadas cidades do mundo e, de forma geral, contra dificuldades encontradas para realizar as reservas.
Por fim, quanto aos contratos, os consumidores costumam questionar o percentual de cláusula penal (multa) cobrado em caso de rescisão antecipada e os prazos de antecedência para solicitação de reservas. Há também uma tendência em reclamar por não constar em contrato qual o percentual ou quantitativo de unidades habitacionais de cada empreendimento hoteleiro que é destinado às reservas pelo programa de timeshare.
Os contratos devem ser os mais claros e objetivos possíveis. Devem prever todo o regramento exigido para as reservas de hospedagem, pontos debitados por reservas, prazos etc. A linguagem deve ser simples e as normas do Código de Defesa do Consumidor devem ser atendidas. Assim, há de se evitar cláusulas que possam ser consideradas abusivas, por exemplo, de multas exorbitantes ou previsão de perda integral dos valores pagos em caso de rescisão antecipada.
Tão importante quanto um contrato bem formulado, é ter uma equipe de vendas bem treinada, que entenda que uma venda a qualquer custo será mais prejudicial à empresa.
Muitas vezes os contratos não preveem situações que possam causar desconforto na relação entre cliente e empresa, gerando cancelamentos. O que o advogado da empresa pode fazer quando há falhas no contrato?
O papel do advogado é ter uma atuação preventiva. Deve conscientizar o seu cliente e seus funcionários que um contrato com todas as informações previstas de forma clara e objetiva apenas beneficia à própria empresa, pois evita o surgimento de um passivo processual. Uma vez judicializada uma questão em que se demonstre que houve falha de informação por parte da empresa fornecedora do serviço, será muito mais difícil obter êxito na causa, pois o dever de informação é expressamente previsto no Código de Defesa do Consumidor.
Além disso, o ônus da prova, na maior parte das vezes, é invertido para obrigar à empresa a comprovar que prestou as informações de forma correta. Este ônus é, por vezes, dificultoso de ser cumprido.
Qual a importância de ter advogados com experiência nesse mercado para se fazer a estruturação jurídica do negócio?
Embora o mercado da multipropriedade, esteja em franca expansão no Brasil, ainda não é familiar à grande massa de consumidores e ao Poder Judiciário. Deste modo, um advogado com experiência na área ajudará a evitar o surgimento destas demandas, bem como facilitará o diálogo com o Poder Judiciário, e também com os próprios advogados dos consumidores, a fim de esclarecê-los como, de fato, funcionam os negócios de multipropriedades. Destaque-se que, a ausência de legislação atinente ao tema (apenas vaga previsão sobre o timeshare na Lei Geral do Turismo e seu Decreto regulamentador) propicia ainda mais o surgimento de discussões infundadas sobre os negócios, expondo o mercado a decisões judiciais que não denotam a compreensão exata do tema.