A construção civil é uma das partes mais importantes do modelo de negócio da multipropriedade imobiliária, pois é responsável por solidificar as experiências prometidas nas vendas. No entanto, a viabilidade econômica financeira é uma questão crítica na obra, pois os custos envolvidos são extremamente elevados e o sucesso de um projeto pode depender do equilíbrio adequado entre o orçamento, vendas, funding, distratos e a qualidade do trabalho realizado.
Podemos definir a viabilidade financeira na construção civil da multipropriedade como a capacidade de um projeto cobrir os custos envolvidos na obra e entregar o empreendimento no prazo estabelecido em contrato.
Por conta da grande complexidade da multipropriedade, o estudo de viabilidade do projeto como um todo, com a parte comercial/mercado, parte jurídica, licenças e aprovações, de arquitetura, visando a tomada de decisão dos empreendedores/investidores, vem antes do planejamento de custos e orçamento para a obra.
“Deve-se fazer um planejamento multidisciplinar com vários profissionais da multipropriedade, enxergando potencialidades turísticas, de comercialização, de operação e construção, na análise do que vai ser o projeto. Com todos esses elementos, construímos a viabilidade”, diz o Luiz Fernando Mathia, diretor de Vacation Ownership do Hot Beach Residence, braço de multipropriedade do Grupo Ferrasa, que também menciona a contratação de um escritório de advocacia, para cuidar da estruturação jurídica e aspectos legais e regulatórios.
Mathia explica que para o lançamento do empreendimento Hot Beach You, em Olímpia (SP), por estar em um destino turístico em que o Grupo Ferrasa já atuava há muitos anos, já era conhecido esse potencial e perfil dos clientes. Porém, o estudo teve que detectar se era possível lançar mais uma multipropriedade na cidade. A velocidade de vendas foi prevista de acordo com o que o próprio Grupo Ferrasa conseguiu com outro projeto de multipropriedade em Olímpia já entregue, o Hot Beach Suites, além da análise da tração de vendas das operações concorrentes no destino.
“Começamos a fazer um estudo, envolvendo o arquiteto e o engenheiro, definindo qual o tamanho, qual tipo de produto do ponto de vista arquitetônico e depois confeccionando os produtos fracionados, de uma semana, duas ou quatro. Chegamos à conclusão, pela área que tínhamos disponível, que poderíamos fazer um empreendimento de 800 apartamentos faseado, que já é um aprendizado. A minha primeira fase será com 303 unidades”, conta o diretor do Grupo Ferrasa.
Luiz Fernando Mathia, diretor de Vacation Ownership do Hot Beach Residence
O estudo de viabilidade multidisciplinar também é realizado pela ABL Prime. “A ABL Prime é uma empresa do segmento de engenharia e tem mais de 120 profissionais do ramo de engenharia e arquitetura. Temos capacidade de avaliar e coordenar um projeto com as soluções construtivas, que sejam viáveis com o negócio, mas tudo isso é alinhado com o estudo de viabilidade, a despesa da obra, o tipo de produto e a parte comercial. O Estudo de Viabilidade vai nos dando esse norte”, afirma Roberto Ribeiro, gerente de inovações tecnológicas da ABL.
Contratação da construtora para a multipropriedade
Apesar da necessidade do corpo multidisciplinar, muitos projetos de multipropriedade contratam as construtoras para tocarem as obras de seus empreendimentos já com a comercialização em andamento.
Lembrando que algumas empresas do mercado são totalmente verticalizadas, atuando como incorporadoras e construtoras.
O gerente de inovações tecnológicas da ABL explica ser possível a entrada da construtora no decorrer do projeto, como acontece nos projetos da própria ABL, se a incorporadora tiver um time de engenheiros e arquitetos para realizarem os estudos e definirem custos, orçamento e tempo de obra. “Mas não é possível se a empresa não tiver esse corpo técnico, uma equipe capaz de fazer essa avaliação, inclusive as aprovações legais”.
Roberto Ribeiro, gerente de inovações tecnológicas da ABL
O gerente de portfólio de multipropriedade da ABL Prime, Rodrigo Brito, revela que a empresa, por já atuar há mais de dez anos no mercado de multipropriedade e ter lançado 20 empreendimentos, confeccionou uma cartilha para desenvolvimento de projetos fracionados. “Por exemplo, para um hotel com 150 quartos, nós sabemos qual será a ocupação média, quantas hóspedes comportam no apartamento, e há os parâmetros dos tamanhos da cozinha, restaurante e piscina, para atender o número de hóspedes”.
E este know how da ABL também ajuda na definição do orçamento da obra. “Como temos um banco de dados muito grande dentro da empresa, já fazemos o orçamento baseado nos parâmetros de valores de materiais e equipamentos da região, para não fugir do mercado. Então, no estudo de viabilidade, temos um valor de metro quadrado para Gramado, um valor para Pipa, e outro para Caldas Novas”, completa Rodrigo.
Uma solução comentada por Mathia para empresas que não possuem um corpo técnico com know how em construção civil e multipropriedade, é a contratação de consultores engenheiros para realizar o estudo da viabilidade da obra. Ele contou que em um projeto em que atuou na Bahia como consultor, os empreendedores fizeram isso. “Para participar dessa concepção, dando suporte a arquitetura, levantando os custos da obra. Depois juntamos o resultado dos estudos do engenheiro e o projeto do arquiteto, para formatamos os produtos e começamos a selecionar a construtora, dedicada a tocar a sequência da obra”.
Importância da velocidade de vendas para a obra
O estudo de viabilidade projeta uma rampa de vendas para o projeto, que deve estar alinhado ao orçamento para tocar a obra. O diretor do Grupo Ferrasa reforça a importância da velocidade de vendas para a formação da carteira, já que por conta do parcelamento do valor da fração, normalmente, a incorporadora recebe em média 1,6% do que é vendido no mês. “Aqui não estou colocando a entrada”, diz ele.
“O que nós calculamos hoje no mercado é que, se for um empreendimento de 300 apartamentos ou mais, no primeiro ano deve vender entre 70 e 100 milhões de Reais. O que dará uma carteira de recebíveis para ficar confortável para colocar na obra no segundo ano. Mas ainda não é suficiente, precisa continuar vendendo para a carteira crescer e ter mais recebíveis”, calcula Mathia.
O recomendado é que no segundo ano do projeto comece a obra. “O que exige um volume maior de capital disponível. A barriga negativa acontece neste momento”, afirma o diretor do Grupo Ferrasa. Ele esclarece que não há como colocar todo o dinheiro na obra, pois ainda há os investimentos na parte de venda e marketing, assim, a melhor opção é buscar fundings para antecipar a carteira. “Eu aconselho fazer o CRI no segundo ano, para dar um conforto no caixa e conseguir manter os prazos de entrega”, completa.
Tomada de decisão para modificações do projeto
Todo o projeto redondo. Vendas acontecendo e a carteira de recebíveis crescendo para tocar a obra, mas, e se tiver alteração no projeto do empreendimento e ter de refazer algo na construção, mudando algum aspecto do projeto arquitetônico e técnico?
O gerente de portfólio da ABL Prime conta que a empresa já passou por esse tipo de experiência algumas vezes, principalmente, quando o projeto fecha parceria com a operadora hoteleira. “Cada vez que entra uma operadora, pede uma coisa diferente. Muitas vezes, no início do projeto, ainda não temos operadora hoteleira, contratamos do meio para o final da construção e há uma grande quantidade de retrabalho. Cada operadora trabalha com uma formatação.
Entre as principais modificações pedidas pela operadora hoteleira, Rodrigo menciona retrabalhos nas áreas comuns, na formatação da cozinha e restaurante. “São conceitos de operações diferentes. O Ideal é ter no início do projeto a definição da operadora hoteleira”.
Porém, o gerente de inovações tecnológicas da ABL reforça a importância da gestora hoteleira quando o empreendimento entra em operação. “A operação hoteleira tem início com algumas parcelas das frações imobiliárias ainda em pagamento. Além de pagar a parcela da compra da multipropriedade, surge o custo da taxa de condomínio. Se o empreendimento não for atrativo, o proprietário irá distratar, causando outro problema para a SPE”.
Todas as modificações geram mais custos e, na maioria das vezes, não há como reajustar isso no valor da fração que será vendida ao cliente final. “A ABL, como gerenciadora, faz o levantamento dos custos das modificações e levamos para os empreendedores. Em muitos casos, acatamos as modificações e assumimos esses custos adicionais”, diz Rodrigo Brito
De acordo com Roberto Ribeiro, este tipo de situação necessita de uma análise do estudo de viabilidade. Ele explica que há a análise do estudo que é o alvo, que serve de base para a tomada de decisão para a implantação do empreendimento. E ainda há o acompanhamento, realizado mensalmente, dos custos de todas os departamentos.
“Quando acontecem esses pedidos de modificações, insere-se esses valores lá (na tabela do estudo de viabilidade) e os indicadores econômico financeiros vão variar. Então, comparamos se vai reduzir o resultado e a TIR (Taxa Interna de Retorno)”, salienta ele. “Mas, se ainda é mais viável fazer isso do que não ter uma boa operação, ocasionando distratos ou inadimplência do condomínio, o que é muito pior, então, é uma tomada de decisão que muitas vezes aceitamos, independente se será viável financeiramente ou não”.
Rodrigo Brito, gerente de portfólio da ABL
Reajuste para corrigir a inflação
Como a obra pode correr por cinco ou mais anos, dependendo do tamanho do projeto, logicamente, os preços dos materiais e equipamentos irão subir no período. Para isso, há as taxas para corrigir a inflação: INCC (Índice Nacional da Construção Civil), para ser aplicado durante a obra; após a entrega, o empreendedor pode optar pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) ou IGP-M (Índice Geral de Preço do Mercado).
“Então, estou corrigindo a inflação. Até a entrega, o INCC é a proteção do incorporador, mas nem sempre se consegue corrigir. Porém, temos outros instrumentos que a lei permite aplicar também”, explica Mathia. Ele revela que o projeto pode reajustar a tabela de preços anualmente, de acordo como as vendas vão acontecendo. “Isso também corrige um pouco e protege o incorporador desses aumento”, finaliza.