Apesar dos números bilionários e crescimento exponencial dos empreendimentos e VGV projetado (Valor Geral de Vendas) de multipropriedade (no último estudo Cenário de Desenvolvimento de Multipropriedade no Brasil, elaborado pela Caio Calfat Real Estate Consulting, mostrou que o segmento atingiu 156 empreendimentos e um total de R$ 41,2 bi em VGV), o mercado enfrenta muitos problemas graves que comprometem a visão e apetite de novos empresários entrarem no mercado: projetos com obras muito atrasadas; empreendimentos que pararam a comercialização e descontinuaram o projeto; empreendimentos que não conseguiram pagar as securitizadoras e perderam parte dos projetos para as mesmas; e no último mês de agosto, um fundo imobiliário não distribuiu dividendos para seus investidores, alegando que foi devido ao aumento da inadimplência e cancelamento.
Diante desses problemas, ainda pode-se afirmar que a multipropriedade é viável? É um bom negócio? Confira a opinião de executivos do segmento sobre esse tema, Rodrigo Martins, diretor de marketing, vendas e pós-vendas do GR Group; Alexandre Mota, diretor da Caio Calfat Real Estate Consulting; Maya Garcia, advogada e diretora da IBEIA; e Danilo Issao Samezima, CEO da Oceanic Empreendimentos.
“Foco no cliente”
Rodrigo Martins, diretor de marketing, vendas e pós-vendas do GR Group
É totalmente possível afirmar que o mercado de multipropriedade é viável quando temos empresas com boa gestão, exemplo disso, o GR Group. Mantemos uma linha estratégica onde o foco está no cliente e conseguimos chegar no período pós-pandemia com tranquilidade.
Mediante o panorama atual, a empresa que seguir com gestão de relação de sucesso com os clientes, colocá-lo como foco principal, incentivando o uso do produto adquirido, oferecendo maior custo-benefício, com serviços de qualidade e proporcionando experiências diferenciadas, esta companhia terá sucesso e sairá do cenário desafiador.
A empresa que trilhar uma gestão diferente, sem foco principal no cliente, passará por dificuldades.
No GR Group tivemos confiança no potencial do nosso negócio, isso deu tranquilidade para nos posicionarmos visando a manutenção de nossa base ativa durante a pandemia. Cuidamos da expectativa, da experiência e da satisfação com a missão de alcançarmos os resultados e conseguimos fidelizar integrando comercial, marketing e pós-venda.
“A Multipropriedade é viável?”
Alexandre Mota, diretor da Caio Calfat Real Estate Consulting
Antes da resposta, seguem algumas considerações sobre o que se aprendeu e se observa no mercado:
- A multipropriedade se insere no mercado imobiliário de segunda residência, na qual o adquirente quer um lugar para passar suas férias de forma repetida. Não é investimento e não se encaixa, como uso e poder de aquisição, no bolso de qualquer um. Essas premissas foram ignoradas em muitos dos projetos que apresentaram e apresentam problemas.
- O mercado consumidor de qualquer produto não é ilimitado, e o de multipropriedade está dentro desse mundo limitado. O público potencial para um projeto de multipropriedade pode ser medido, ainda em bases de estimativas simples, com embasamento apenas razoável, mas é possível medir o potencial de um projeto. Além disso, é preciso medir o quanto da estimativa de público está se espalhando de forma geográfica por outros empreendimentos concorrentes. Um shopping center, por exemplo, tem uma área de influência bem definida, por tempo de acesso e tipo de público, no estudo de mercado desse setor, é feito a análise de impacto dos concorrentes já estabelecidos. Isso não é considerado na hora do planejamento.
- Outro ponto de sucesso, ofertar o que o público precisa: espaço, preço, localização e um destino que não dependa somente da estrutura da multipropriedade. Vários empreendimentos centram seus atributos só na estrutura da multipropriedade. Num processo de venda em que há agora no mercado cerca de 150 empreendimentos, o cliente já pode comparar e vai decidir aquele com melhores atributos próprios e extras dos projetos.
- Definir preço é fácil (nem tanto), o segredo da multipropriedade é velocidade de vendas. Nenhum empreendimento poderá chegar no seu 30° mês após o lançamento sem pelo menos 85% do estoque inicial vendido. Preferencialmente, no 24° deve ter sido vendido pelo menos 70%. Se isso não ocorrer, haverá problemas no caixa.
Esses 4 fatores, além de outros, cobrem pelo menos 80% dos cuidados ao se estudar uma multipropriedade atualmente. Há espaço para novas multipropriedades no mercado, não para todas. O tempo do “efeito manada” e do modelo preestabelecido de sucesso acabou. As palavras agora são nichos, definição correta do público, criar um produto de desejo real e não que precise ser vendido na panela de pressão das salas de vendas e, por fim, muito estudo: mercado, econômico-financeiro e pesquisa de produto junto ao público-alvo, tanto a qualitativa quanto a quantitativa.
A resposta é que a multipropriedade continua a ser viável, contudo, não é um produto fácil como pode ter parecido para muitos que se espantaram com os resultados obtidos. Porém, todo negócio tem um ciclo e após o ângulo aberto do crescimento vem a maturidade, em que continua a se ganhar dinheiro, mas de forma diferente da primeira fase do crescimento.
“Multipropriedade não é para amadores”
Maya Garcia, advogada e empresária
Sempre brinco que multipropriedade não é para amadores. Uma incorporação nesse regime pode servir como um fermento: em um projeto bem feito, pode multiplicar os lucros, ao passo que, em um projeto mal dimensionado, potencializa os problemas e riscos.
Dentre os principais erros cometidos pela maior parte desses empreendimentos, podemos elencar, em especial, o encantamento do empreendedor com o VGV e o número excessivo de unidades projetadas em um mercado que pode não as absorver tão rápido, independentemente da velocidade da comercialização. Após a entrega da obra, o incorporador pode ficar com muitas cotas estocadas não vendidas e passa a ter que contribuir com as taxas condominiais, o que tira parte importante do capital alocado para o projeto, culminando em atraso de obra e na falha de pagamento às securitizadoras. Implementar projetos mais conservadores e com menos unidades pode ajudar a minorar esse risco.
Outro ponto é a importância crucial de fazer a operação com especialistas. Muitas construtoras acabam usando seus próprios corretores na comercialização, sem uma gestão especializada. O pós-vendas de um empreendimento de multipropriedade é bastante diferente de um convencional, e deve também ser especializado. Uma boa dica é nunca contratar a comercialização e o pós-vendas com a mesma empresa, pois o pós-vendas é a melhor fiscalização se a comercialização está acontecendo de acordo com o estabelecido, evitando, assim, os erros e abusos de uma venda malfeita. A incorporadora internalizar essas duas operações também pode ser bastante arriscado, pois desconsidera a expertise prático que é importante no dia a dia.
A multipropriedade também não é solução para hotéis com má performance ou para os terrenistas que querem dar maior lucro na exploração de sua terra. É necessário que o destino tenha chamado turístico ou que o empreendimento tenha algum diferencial de experiência.
E nunca usar planos de viabilidade padronizados ou estruturar juridicamente de acordo com outro empreendimento. Cada projeto tem a sua especificidade, que deve ser estudada caso a caso. É crucial contar com advogados que sejam especialistas em estruturação de multipropriedade, pois há uma série de temas práticos de gestão que devem constar no instrumento aquisitivo, na minuta de Convenção de Condomínio e na documentação da incorporação. A definição do calendário de uso e a forma de fracionamento das cotas também podem afetar o resultado das vendas. Uma falha nessa etapa pode custar caro para o empreendimento lá na frente.
“A multipropriedade é viável e um bom negócio; porém…”
Danilo Issao Samezima, CEO da Oceanic Empreendimentos
A Multipropriedade teve início e “tropicalização” no Brasil em meados de 2010/11 e desde então teve crescimento acentuado, acima de 2 dígitos. Abaixo elenco alguns fatores e consequências, para chegarmos a respostas:
- Mercado novo, demanda reprimida – a dificuldade de funding, a alta sazonalidade e problemas de infraestrutura no país, sempre foram ofensores para o desenvolvimento de resorts e hotéis de lazer no país. Diante disso, quando surge a multipropriedade, dando parte da solução para o desenvolvedor e apresentando um produto novo para os turistas (quartos equipados, modernos e com estrutura de lazer no seu complexo) em destinos que os equipamentos hoteleiros muitas das vezes eram antigos, pequenos ou com pouca estrutura; essa demanda reprimida é rapidamente absorvida pelos lançamentos dos projetos de multipropriedade;
- Os pioneiros são do mercado de turismo de lazer – em sua maioria, os pioneiros deste mercado já estavam no mercado de turismo; já havia pontos de contato com o turista, o que contribuiu para o crescimento acelerado destas companhias e do mercado. Os principais indicadores comerciais estão estritamente relacionados ao mercado de turismo, tais como: fluxo turístico de lazer doméstico, necessidade e anseios dos turistas e a demanda de novas unidades habitacionais na região;
- Barreira de entrada pequena – como qualquer desenvolvimento imobiliário, a barreira de entrada é pequena; o que levou alguns desenvolvedores atraídos pelos altos valores de venda do m², sem conhecimento do mercado imobiliário e de turismo a lançarem projetos em destinos sem vocação para o produto ou em cidades com a demanda já absorvidas pelos grandes players;
- Alavancagem alta – na pré-pandemia o mercado de multipropriedade estava em alta. O mercado financeiro recentemente havia entrado no segmento e havia certa abundância de crédito; o que fez alguns players se alavancarem a fim de ganharem mais fatia do mercado; seja expandindo de forma geográfica ou fazendo novos lançamentos na região que se encontravam; atendendo as demandas turísticas nos destinos.
- Pandemia – há dois anos e meio a pandemia afetou o turismo no geral. Porém, no imobiliário turístico de lazer, vimos um antagonismo: Segunda moradia tradicional teve seu melhor período de vendas em toda história, e a multipropriedade teve o pior desempenho; isto porque as salas de vendas ficaram todas fechadas diante de decretos (a maioria localizada dentro de parques, hotéis) e o índice de distratos, que já é alto, não cessou; aumentando o estoque de unidades;
- Alta inflação e juros – para incorporadores, a alta inflação afeta no custo de obra e na maioria das vezes não se consegue repassar essa diferença ao cliente final. Com a alta de juros, o custo de capital fica mais alto do que estava planejado no seu fluxo. A oferta de crédito também ficou bastante restrita, pois a principal fonte de funding deste mercado era estruturado através de CRIs e captados via fundos imobiliários; com juros mais altos, estes papéis ficam menos atrativos e os investidores acabam alocando em outros investimentos.
Portanto, sim. A multipropriedade é viável e um bom negócio; porém, sendo necessários:
- Além do conhecimento imobiliário, expertise no turismo de lazer doméstico – os indicadores de performance comercial, custos administrativos e operação da multipropriedade estão relacionados com turismo/hospitalidade, enquanto custos/soluções do projeto e obra com imobiliário tradicional;
- Ancoragem – como todo imobiliário, para o sucesso comercial é necessária ancoragem para desenvolvimento do entorno; identificar, implantar e operacionalizar âncora/atrativo turístico, carrega consigo a sinergia, um primeiro contato/encantamento com cliente, uma vantagem competitiva essencial para viabilidade do projeto;
- Capital humano – a comercialização, gestão, pós-vendas e a administração do empreendimento após entrega irá demandar uma estrutura de operação gigante. Diferente de outras incorporações, capital humano é intensivo. Na maioria dos empreendimentos é necessário quase uma centena de pessoas somente para a comercialização. Portanto, criação de estrutura administrativa para suportar essas necessidades são essenciais.
- Estrutura de capital – a incorporação de multipropriedade necessita de capital intensivo, já que a “curva J” (exposição de caixa e breakeven do projeto) tem prazo longo. Por termos poucos players do mercado financeiro participando do negócio, nenhum financiamento específico para o setor e mercado ainda em curva de aprendizado, a companhia deve ter estrutura de capital interno sólida para fazer frente ao projeto.