A desconsideração da personalidade jurídica é uma preocupação recorrente no ambiente empresarial. No contexto da multipropriedade imobiliária, essa preocupação se intensifica proporcionalmente ao número de frações comercializadas em cada empreendimento.
Explica-se: o mercado de multipropriedade já entende o risco da atividade e o expressivo volume de ações judiciais envolvendo pedidos de rescisão contratual — os chamados distratos. Ainda assim, trata-se de um cenário que impõe desafios significativos ao caixa e à saúde financeira das empresas, sobretudo pela ausência de provisionamento adequado para restituição dos valores pagos pelos adquirentes. Essa fragilidade financeira expõe as empresas a um risco crescente de execuções e cumprimentos de sentença, os quais, não raramente, evoluem para a propositura de Incidentes de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ) como meio de satisfação do crédito.
A desconsideração da personalidade jurídica é um instituto excepcional, que permite, em situações específicas de abuso de direito, fraude ou confusão patrimonial, que o credor alcance o patrimônio pessoal dos sócios da sociedade empresarial, afastando momentaneamente a autonomia patrimonial da pessoa jurídica. Essa é a regra tradicional prevista no artigo 50 do Código Civil.
Contudo, no âmbito das relações de consumo — especialmente frequentes nos contratos de aquisição de frações em multipropriedade — a interpretação judicial tem sido guiada pela chamada teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, prevista no § 5º do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Essa norma permite a desconsideração independentemente da comprovação de fraude ou abuso, bastando a demonstração de que a personalidade jurídica está sendo utilizada como obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos sofridos pelo consumidor ou em casos de insolvência da empresa.
Esse cenário tem gerado uma crescente banalização do pedido de IDPJ, muitas vezes requerido logo após a frustração de uma única tentativa de localização de bens da empresa executada, sem que se esgotem os meios ordinários de satisfação do crédito. O resultado tem sido a responsabilização direta de sócios e, em alguns casos, de administradores, que sequer integram o quadro societário da empresa.
Entretanto, nesse último ponto, a jurisprudência vem oferecendo uma salvaguarda relevante. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do REsp 1.862.557/DF, firmou entendimento no sentido de que, mesmo sob a égide da teoria menor, não é admissível a desconsideração da personalidade jurídica para atingir o patrimônio de administradores não sócios. Essa decisão confere importante segurança jurídica aos gestores profissionais que atuam na condução dos empreendimentos, mas não participam do capital social.
Diante desse panorama, é fundamental que as empresas do setor de multipropriedade contem com uma assessoria jurídica especializada e estratégica, capaz de estruturar preventivamente suas relações contratuais, promover a correta segregação patrimonial e atuar de forma proativa na mitigação dos riscos relacionados à desconsideração da personalidade jurídica.






