- Por Laís Tourinho
Os modelos de negócio com base na economia compartilhada vieram para ficar. No Brasil, os mais difundidos modelos estão no setor do turismo e imobiliário, embora, ao redor do mundo existam empresas de compartilhamento de inúmeros bens, a saber, por exemplo, de carros, como uma das empresas pioneiras em economia compartilhada, a Zipcar (lançada no início do ano 2000, em Cambridge/Inglaterra).
Voltando-se aqui aos setores turísticos e imobiliários, os contratos de tempo compartilhado têm ajudado a alavancar os negócios nestas duas áreas. No entanto, são muitas ainda as dúvidas existentes sobre os modelos abarcados pelo tempo compartilhado, que geram confusão sobre o conceito, a natureza, os direitos e deveres em cada um deles. Assim, em apertada síntese, trazemos aqui algumas notas distintivas importantes entre os dois contratos, o de multipropriedade (fractional) e o de timeshare (vaction club).
A multipropriedade carece de regulamentação legal no Brasil, mas não por muito mais tempo: o Projeto de Lei 54/2017 foi aprovado no Senado Federal e, no último dia 23.05.2018, foi encaminhado para a Câmara de Deputados. No texto do projeto tem-se, sem margem para dúvidas, a natureza jurídica da multipropriedade: direito real. De forma simplória, pode-se esclarecer que direito real traduz a relação entre um sujeito e um bem, tal qual os demais direitos reais previstos no Código Civil (propriedade, usufruto etc).
Já o timeshare não estabelece uma relação entre sujeito e coisa, é meramente obrigacional, sendo esta sua natureza jurídica – direito obrigacional. Ainda que de forma insuficiente, o timeshare é regulamentado pela Lei Geral do Turismo e o Decreto 7.381/2010, que em seu artigo 28 assim o define: “relação em que o prestador de serviço de hotelaria cede a terceiro o direito de uso de unidades habitacionais por determinados períodos de ocupação, compreendidos dentro de intervalo de tempo ajustado contratualmente”.
Deixando de lado a linguagem técnica, o que temos é que na multipropriedade o adquirente passa a ser dono de uma fração do imóvel e no timeshare, não.
A título comparativo, em Portugal a distinção entre os dois modelos é similar, sendo direito real os “contratos de transmissão de direito real de habitação periódica” e direito obrigacional os “contratos de transmissão de direitos de habitação turística” (DL 275/93 alterado pelo DL 37/2011, que transpôs para o ordenamento jurídico português a Directiva Europeia 2008/122/CE).
Diante desta distinção da natureza jurídica, tem-se que as cláusulas contratuais de cada modelo, para que se tenha um negócio jurídico seguro e sólido, também são diversas, embora sempre aplicável o Código de Defesa do Consumidor, pois, em quaisquer dos casos, há uma relação de consumo estabelecida.
No timeshare é preciso prever os períodos de ocupação das unidades habitacionais que poderão ser utilizados, com destaque para as restrições existentes (por exemplo, se não puder haver utilização em alta temporada), indicando se estes períodos são representados por pontos ou unidades de tempo e o prazo de vigência contratual.
Devem constar também a descrição e identificação dos meios de hospedagem que compõem o “Vacation club”, determinando os espaços, bens e serviços que são de uso privativo e de uso comum, bem como aqueles excluídos do contrato (ex: alimentação), e ainda, o número de pessoas que pode ocupar as unidades habitacionais.
Embora discutível, a Deliberação Normativa 378 da Embratur determina que deve haver previsão de possibilidade de exercício do direito de arrependimento, no prazo de sete dias.
Recomenda-se ainda especial cuidado com as cláusulas que geram maiores discussões com os consumidores: prazo de antecedência para solicitação de reservas, hipóteses de negativa de reserva, proporção de unidades habitacionais do empreendimento destinadas ao público de timeshare, taxas de manutenção, forma de rescisão contratual e penalidades impostas.
Para a multipropriedade, o PL 54/2017 determina a elaboração de uma Convenção de Condomínio, na qual serão instituídos os deveres e direitos dos condôminos. Como nos ensina Mariana Stolze, no artigo Multipropriedade – Projeto de Lei 54/2017 e os reflexos práticos na sociedade, (Revista de Turismo Compartilhado – 26.09.2017), cada proprietário é responsável pelas despesas condominiais equivalentes à sua fração, inexistindo solidariedade entre os proprietários.
Remete-se ao art. 6º do PL 54/2017, no qual estão previstas as disposições que deverão constar em contrato e na convenção de condomínio, a exemplo do início e fim de cada período de fração de tempo.
Por fim, destaque-se a importância de além de saber diferenciar os institutos, deve-se contar sempre com apoio técnico jurídico especializado na elaboração dos contratos, a fim de minimizar discussões judiciais futuras.
*Laís da Costa Tourinho
Advogada. Sócia no Camardelli e Da Costa Tourinho Advogados,
com atuação específica em Direito Hoteleiro.