O mercado imobiliário recebeu com apreensão os recentes posicionamentos do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, após quase sete anos da promulgação da Lei dos Distratos (Lei nº 13.786/2018), voltou a enfrentar de forma incisiva os limites e efeitos do desfazimento contratual por iniciativa do adquirente.
Os julgamentos proferidos pelas Terceira e Quarta Turmas do STJ reacenderam a incerteza jurídica no setor. A Terceira Turma entendeu que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) deve prevalecer sobre a Lei dos Distratos, enquanto a Quarta Turma, embora tenha reconhecido a aplicabilidade da norma, limitou a cumulação de encargos contratuais ao montante efetivamente pago. Essa divergência de entendimentos impacta todo o mercado imobiliário — inclusive o segmento de multipropriedade.
O reflexo dessa disparidade é direto: incorporadoras e sociedades de propósito específico (SPEs) voltam a operar sob o risco de decisões imprevisíveis, capazes de comprometer o equilíbrio econômico-financeiro dos empreendimentos. Em especial, os contratos de multipropriedade — que demandam previsibilidade nas regras de distrato — podem sofrer graves distorções caso prevaleça o entendimento da Terceira Turma.
Em termos práticos, isso significa que as incorporadoras devem se preparar para um potencial aumento de litígios. A interpretação consumerista adotada pela Terceira Turma amplia a exposição das empresas a ações de rescisão contratual e devolução imediata de valores, o que reforça a necessidade de adequação das estratégias jurídicas para enfrentar essas novas demandas e conter a aplicação indevida desse entendimento ao setor de multipropriedade
COMPREENDENDO O CENÁRIO JURÍDICO
A Quarta Turma, sob relatoria da Ministra Isabel Gallotti (REsp 2.104.086/SP), consolidou posição no sentido de aplicar integralmente a Lei dos Distratos, reconhecendo a validade das cláusulas contratuais que reproduzem seus dispositivos. Para o colegiado, eventuais alegações de abusividade somente poderiam ser discutidas em ação própria de inconstitucionalidade, preservando, contudo, o limite de retenção ao valor efetivamente pago pelo adquirente e vedando a cobrança de encargos que ultrapassem esse montante.
Em sentido oposto, a Terceira Turma, sob relatoria da Ministra Nancy Andrighi (REsp 2.106.548/SP), entendeu que o CDC deve prevalecer sobre a Lei dos Distratos. De acordo com esse entendimento, a retenção de todos os valores, inclusive comissão de corretagem, não pode exceder 25% dos valores pagos, e a restituição deve ocorrer de forma imediata, sem a possibilidade de aplicação de encargos adicionais — inclusive a taxa de fruição em lotes não edificados.
O voto da Ministra Nancy foi acompanhado pela maioria do colegiado, restando vencidos os Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva (divergente) e Moura Ribeiro (parcialmente divergente). Na prática, a decisão restringe a liberdade contratual e desconsidera a sistemática de retenções diferenciadas prevista em lei, recolocando o mercado em um estado de insegurança jurídica semelhante ao cenário anterior a 2018.
Os recentes julgados evidenciam um retrocesso na segurança jurídica que o mercado acreditava ter superado com a promulgação da Lei dos Distratos. A divergência entre as Turmas do STJ reforça a urgência de uma uniformização jurisprudencial pela Corte, de modo a restabelecer a previsibilidade e estabilidade necessárias à sustentabilidade dos empreendimentos imobiliários.
Enquanto isso, incorporadores e empresários devem redobrar a atenção à gestão contratual e investir em assessoria jurídica preventiva e contenciosa. Mais do que nunca, a advocacia especializada em incorporação e multipropriedade se torna indispensável para garantir segurança, eficiência e resiliência diante das novas incertezas que se instauram no setor imobiliário.






