Muito embora o tema economia compartilhada esteja em voga, a hospedagem por sistema de tempo compartilhado, em sua modalidade time share, ainda não é intimamente compreendida pelos consumidores e, nem mesmo, pela maior parte do Poder Judiciário brasileiro. Não são poucas as demandas acerca do tema que são ajuizadas e a prática nos leva a afirmar, sem receio de errar, que os nossos julgadores ainda não estão preparados para analisar e decidir corretamente as causas que envolvem contratos de time share.
A ausência de legislação específica (a Lei Geral do Turismo trata do assunto de forma muito superficial) com certeza contribui para este desconhecimento geral, mas aqueles que comercializam (no sentido amplo da palavra) este tipo de produto também precisam se esmerar em criar contratos claros e equilibrados, a fim de evitar os litígios e de dar margem à interpretações equivocadas sobre o negócio, o que é prejudicial à sua credibilidade.
Da nossa vivência, compartilhamos aqui as questões que mais geram discussões judiciais.
Primeiro, recorrentes são as reclamações contra negativas de reserva de hospedagem, máxime quando o consumidor consegue realizar a reserva no mesmo hotel, para o mesmo período, por outro canal. A indignação é enorme! Por este motivo, o ideal é que conste nos contratos o percentual das unidades habitacionais do empreendimento que são destinadas aos usuários programa de time share. Uma cláusula que indique a possibilidade de negativa de reserva por ausência de disponibilidade específica para os associados também auxilia no cumprimento do dever de informação, consagrado no art.6º, III, do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Ainda sobre as reservas, é essencial a previsão dos prazos de antecedência que devem ser respeitados nas solicitações, não podendo ser estipulados prazos abusivos. Também devem ser indicados, com realce (art. 54, §4, do CDC determina que em contratos de adesão, as cláusulas restritivas de direitos dos consumidores devem ser escritas em destaque), os períodos em que não é possível utilizar o contrato; em geral não se permitem as reservas pelo time share em períodos de alta estação ou feriados.
Outro ponto altamente litigioso é a cobrança de multa para os casos de rescisão contratual antecipada imotivada. Primeiro, o consumidor em geral alega que o pedido de rescisão é motivado por alguma falha ou vício do fornecedor, o que o isentaria da cobrança de multa. Superada esta discussão que já causa muitos problemas ao fornecedor, diante da inversão do ônus probatório contra si, passa-se a discutir o percentual desta multa.
Não obstante o Código Civil preveja, em seu art. 412, que a cláusula penal (a multa cobrada) não pode ultrapassar o valor total da obrigação, que neste caso seria o valor do contrato, o que mais se observa são decisões judiciais que limitam o valor da multa em percentual incidente sobre o valor pago pelo consumidor, determinando-se a devolução integral, com todos os encargos de mora, dos valores excedentes pagos.
Tais condenações impõem imenso prejuízo ao fornecedor hoteleiro e, aqui, cumpre alertar que a prática de publicidade enganosa no ato de comercialização dos contratos de hospedagem por sistema de tempo compartilhado também implica decisões que determinam a devolução integral de valores pagos, com os encargos inerentes. Deste modo, aqueles que realizam a venda devem ter consciência de que esta deve ser realizada de forma consistente, sem falhas, sem marketing agressivo excessivo, sob pena, inclusive de, eventualmente, não receberem as comissões devidas caso a venda “caia” futuramente.
É ainda necessário que os consumidores e os julgadores que se deparam com demandas que possuem os contratos de time share como objeto precisam ter em mente que a principal vantagem deste tipo de contrato é imutabilidade dos preços das hospedagens durante todo o período de vigência contratual, independentemente de qualquer flutuação da ordem econômica. Não é objetivo do time share, que fique claro, oferecer necessariamente preços mais baixos para as hospedagens. Assim, eventual cobrança de valor mais alto de uma hospedagem para o cliente do programa não pode, por si só, ser considerada descumprimento contratual.
Por fim, alertamos que é possível que uma rede hoteleira, proprietária de mais de um hotel no país, ou em outras partes do mundo, estabeleça ou adira a um contrato de time share, sem disponibilizar unidades autônomas para hospedagem em todos os estabelecimentos pertencentes à sua cadeia hoteleira. Assim, é importante que sejam listados expressamente os hotéis em que o consumidor poderá fazer uso do contrato celebrado, e ainda, exista cláusula que esclareça que existem hotéis do fornecedor que não integram o contrato.
Se todos os atores deste tipo de negócio, bem como os integrantes do Poder Judiciário, tiverem a correta compreensão destes aspectos, estamos certas de que as demandas consumeristas acerca do time share serão reduzidas e contarão com soluções judiciais mais equânimes e condizentes com a natureza do contrato. Ao fim, apenas aqueles mau prestadores de serviços de fato sofrerão punições pelas más práticas realizadas, o que trará maior segurança e tranquilidade ao mercado.
(*) Laís da Costa Tourinho é advogada, sócia no Camardelli e Da Costa Tourinho Advogados, com atuação específica em Direito Hoteleiro.
Questões consumeristas polêmicas em contratos de time share – por Laís da Costa Tourinho (*)
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