Os “distratos” têm características diferentes em alguns dos segmentos do mercado imobiliário. A Lei 13.786/18, de forma acertada, dividiu suas diretrizes em relação à incorporação e aos loteamentos, determinando, por exemplo, percentuais de retenção diferentes para o caso de rescisões contratuais operacionadas por iniciativas do contratante. Sendo que na incorporação esse percentual de retenção pode ser de até 25% para os empreendimentos que não instituíram o patrimônio de afetação e de até 50% para os empreendimentos que realizaram a instituição do patrimônio de afetação. Nos loteamentos o percentual será único, sendo ele de 10% sobre o valor atualizado do contrato.
Durante a chamada crise dos distratos, período anterior à Lei 13.786/18, a média de cancelamentos no Brasil, em vários anos seguidos, foi de 40%, reduzindo para uma média de 10%, por mês, no período pós-lei, a partir de janeiro de 2019.
Ocorre que, ainda que a incorporação convencional, juntamente com os loteamentos tenham mantido uma média considerada baixa para o número de pedidos de rescisões contratuais nos últimos 4 anos, com pouquíssimas variações do percentual citado, na Multipropriedade esse cenário é muito diferente. Na Multipropriedade, em vários empreendimentos, o percentual de distratos supera a casa dos 50% da carteira de quotas imobiliárias vendidas. Trata-se de uma venda com características muito particulares, que se realiza muito rapidamente.
E esse é um problema gigantesco, que em muitas vezes inviabiliza por completo o caixa da SPE, que não contava com um número tão elevado de rescisões contratuais, que por consequência geram devoluções de valores pagos.
Esse problema passa a ser maior, quando, além da devolução das parcelas pagas, o empreendedor e/ou a comercializadora precisa devolver também o valor pago a título de comissão de corretagem.
Segundo o que determina o art. 725 do Código Civil: “A remuneração é devida ao corretor uma vez que tenha conseguido o resultado previsto no contrato de mediação, ou ainda que este não se efetive em virtude de arrependimento das partes.”
Ou seja, mesmo que o negócio não se desenvolva posteriormente, em razão do arrependimento e/ou desistência de algumas das partes (SPE x Adquirente), ainda assim será devida a comissão de corretagem, por se tratar de um serviço já prestado pelo profissional autônomo, corretor de imóveis, que realizou a intermediação imobiliária.
Somente acontece a devolução da comissão de corretagem, caso o pedido de desistência do negócio tenha se dado dentro dos 7 dias imediatamente posteriores à compra. E é nesse ponto que eu gostaria de chegar.
O art 67 A, da Lei de Distratos, disciplina o seguinte nos parágrafos 10, 11 e 12:
§ 10. Os contratos firmados em estandes de vendas e fora da sede do incorporador permitem ao adquirente o exercício do direito de arrependimento, durante o prazo improrrogável de 7 (sete) dias, com a devolução de todos os valores eventualmente antecipados, inclusive a comissão de corretagem.
§ 11. Caberá ao adquirente demonstrar o exercício tempestivo do direito de arrependimento por meio de carta registrada, com aviso de recebimento, considerada a data da postagem como data inicial da contagem do prazo a que se refere o § 10 deste artigo.
§ 12. Transcorrido o prazo de 7 (sete) dias a que se refere o § 10 deste artigo sem que tenha sido exercido o direito de arrependimento, será observada a irretratabilidade do contrato de incorporação imobiliária, conforme disposto no § 2º do art. 32 da Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964 .
A Lei estabelece a possibilidade da devolução nos 7 primeiros dias após a compra da quota imobiliária, mas estabelece critérios para sua solicitação, inclusive que o seja feito por meio de carta registrada com aviso de recebimento, o famoso AR. Acontece que a maioria absoluta dos adquirentes não procede dessa forma e, ainda assim, mesmo sendo a desistência dos 7 dias informada via e-mail, WhatsApp ou até mesmo verbal, os empreendedores têm aceitado a desistência e devolvido tudo o que foi pago, porém, isso tem gerado muitos prejuízos no que diz respeito ao montante devolvido e que sai dos caixas das SPE’s. Portanto, e assim alguns empreendedores já estão agindo, ser mais rigoroso com a taxatividade da Lei e com a retenção das taxas de corretagem, nesse quesito, podem ajudar sensivelmente com a manutenção de montante expressivo e representativo nos caixas das empresas.
Não há que se falar em devolução das taxas de corretagem das comercializadoras, se o pedido de desistência dos 7 dias se deu fora deste período ou via solicitação diversa do que estabelece a legislação.
Além disso, um contrato bem atualizado com os ditames da Lei 13.786/18, com cláusulas de LGPD, entre outras cláusulas especiais, que resguardem o negócio, são essenciais para a segurança jurídica do negócio e, consequentemente, do empreendedor.
- Diego Amaral é sócio do escritório de advocacia Dias & Amaral Advogados Associados, Diretor da Comissão Nacional de Direito Imobiliário do CFOAB, Conselheiro Jurídico da CBIC, Conselheiro Jurídico da ADEMI/GO e Ex-Presidente da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB/GO (2016/2018 – 2019/2021).